Gramática: enfrentando o gigante

Gramática: enfrentando o gigante

Após várias ameaças feitas por Golias, o gigante filisteu, ao povo de Israel, aparece Davi em cena, ainda um garoto, apresentando-se ao rei Saul afirmando poder enfrentar o grandalhão. Ao explicar seus grandes feitos como pastor de ovelhas ao rei, Davi ganha a oportunidade de tentar sua sorte com o gigante, embora o rei não se mostrasse muito entusiasmado com a ideia. Mas, claro, estamos falando de um gigante que nunca havia sido derrotado, com fama de cruel. E Davi, um menino.

Davi, seu louco, fuja!

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Quando o gigante se instala

A gramática é ainda apresentada com muita frequência como um gigante, que deve ser temido e cujas diretrizes devem ser seguidas à risca. Se você não andar na linha (gramatical), bem…como você ousa desafiar algo que foi estabelecido há tantos anos, tão tradicional? Que petulância essa sua, hein!?

Como você ousa discordar do compêndio gramatical que eu tenho em casa? Meu professor afirma de pés juntos que você não pode falar assim ou assado. E se você escrever do jeito que fala, então, ai…de que buraco você saiu, hein?!

A gramática bem entendida

A gramática não é um problema; o que alguns fazem dela é (mesmo porque existem alguns tipos de gramática – continue lendo que você vai entender). Vamos falar aqui o que a maioria entende como gramática, a do tipo prescritiva*.

A gramática é posterior à língua. Veio depois para ordenar os elementos da sentença, dar nome aos bois. Mas parece que muita gente trata a gramática como ditadura. Como quem manda e desmanda e, por conta de tradição, a gramática se tornou o Fidel Castro da língua. (Leia um pouquinho mais sobre isso no artigo “Confessions of the English language“)

Veja, eu não quero criticar a gramática, fazer pouco dela. Não, não. Eu tenho livros de dicas gramaticais e compêndios. Conhecimento é sempre bem-vindo; é necessário. No entanto, sem saber, eu passei anos adorando a gramática.

Hoje sei que o ‘barato’ não é saber toda a gramática, mesmo porque ela é limitada e você pode muito bem saber tudo que precisa se tiver o material adequado.

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Super gramática ativar ?!

Há vários anos fui a uma entrevista em uma escola muito respeitada no ensino de língua inglesa no Brasil. A fama do estabelecimento e o possível título de professora da escola fizeram com que eu me candidatasse a uma vaga lá. Passei no teste escrito (com alguns pequenos erros, confesso) e então marcaram uma conversa com uma coordenadora em outra filial da escola. E lá fui eu.

Ao chegar à recepção fomos a um sofá e essa senhora olhou para mim de uma maneira estranha e pediu detalhes de minha experiência. Então me disse que estavam procurando alguém com muito, mas muito (mas demasiado mesmo), conhecimento de gramática, pois era o que os alunos queriam e esperavam dos professores.

Antes que eu respondesse ela me disse, com uma cara desconfiada e já me despachando, que realmente teria que ser alguém com muuuuuuuuuita gramática para preencher a vaga. Meus poucos anos como professora e os erros no teste escrito para ela significavam que eu simplesmente não tinha o nível gramatical adequado. Pensei comigo enquanto ela falava: “Eu posso muito bem pedir a ela uma oportunidade de dar uma aula para o avançado e ela então poderá me avaliará melhor e decidir se eu tenho os super poderes aos quais ela se refere”.

Mas logo também pensei que eu não era a pessoa certa para a vaga. Eu já gostava naquela época de uma prática menos gramatiqueira. Não era nem um pouco a proposta da escola. E também imaginei que se aquela criatura me ouvisse usando o get mais de uma vez numa mesma conversa ela me entregaria para sacrifício vivo.

Zelo extremo por gramática faz do aluno que comete erros gramaticais um leproso na sala. E faz do meu conhecimento um altar sagrado. Nada a ver com ensino.

Agradeci o tempo dela comigo e saí daquele lugar direto tomar um suco e pensar em como mudar um mundo tão cheio de gramatiquice.

Em busca da liberdade

Ainda há muita gramatiquice por ai, pois aprender gramática é a ideia que muitos tem do que é aprender uma língua. A desilusão vem depois de alguns anos, infelizmente.

Espero que aquela coordenadora não esteja mais nessa de achar que ela realmente precisa ter professores que se alimentam de gramática cinco vezes ao dia para chamá-los de bons professores. E manter fama por causa de gramática não deveria ser o alvo. Poxa vida, uma escola de línguas devia explorar mais a língua!

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Mas isso tudo, como vocês podem imaginar, não foi suficiente para me desligar da gramática. Continuo muito aí para você, minha querida amiga dos concursos e elaboração de aulas e provas nos finais de semana. Só que você sabe, hoje nosso relacionamento é diferente. Você não me domina mais. Eu, conhecendo você do jeito que te conheço, lido com você e sei o seu lugar. A minha outra amiga, a linguística, me ensinou a ser livre e buscar o equilíbrio em meu aprendizado e ensino.

Derrotando o gigante

Eu entendo que saber gramática é muito bom. Se você é aluno é o que te dá um norte. Se você é professor é uma necessidade. Dá um gostinho de vitória aplicá-la e escrever bonitinho. Mas muitas vezes a busca por ‘dominar a gramática’ pode parecer mais ser ‘dominado por ela’. Não se engane, a gramática pode até fazê-lo sentir-se seguro, mas se você apostar tudo nela, você nunca vai saborear a língua.

Dê à gramática – do tipo descritiva** – muito valor, mas não se deixe dominar por imposições da gramática prescritiva que não fazem sentido no dia-a-dia; não arrisque seu belo aprendizado com práticas que engessam seu modo de expressão. Comece uma revolução – faca da língua o Che Guevara do seu aprendizado.

Liberte-se, antes que o gigante tome conta.

E por falar em gigante, lembra do menino Davi? Então, ele derrotou Golias com apenas uma pedrinha. Para você ver que tamanho e idade (ou tradição e fama) nem sempre ditam as regras. Fique com a convicção de que a língua está em constante mutação e que a gramática, como aliada, deve estar em constante revisão. Golias morreu e Davi tornou-se rei. Quem disse que o gigante venceria?

* Gramática prescritiva (ou normativa): dita as regras, o que é “certo”.
** Gramática descritiva: descreve, considera os fenômenos da língua; o modo como os falantes usam a gramática é levado em consideração.
Existe ainda a gramática internalizada, que é a que todos tem, ou seja, mesmo sem ir a escola, sabemos como formar sentenças, pois (segundo a teoria de Chomsky) nascemos com um aparato linguístico pronto para qualquer língua.

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Erica

Erica De Monaco Lowry

Erica De Monaco Lowry has been living in Ireland since 2008. She is a teacher, an interpreter, a translator, a tour guide and an insatiable learner. Her favorite pastimes include reading, travelling, socialising and catching up with her family.

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