Acredito que a meta de muitos brasileiros que desejam morar em outro país ou fazer um intercâmbio seja encontrar o tão sonhado emprego em sua área de atuação. Afinal, era uma das minhas metas também.
Contudo, antes de vir, fiz muitas pesquisas sobre oportunidades de emprego na minha área e, depois de refletir bastante sobre os motivos que me fizeram largar o ótimo emprego que tinha em uma multinacional, percebi que mais que um bom emprego, eu queria mesmo era aprender.
Aqui tenho que abrir um parênteses – seja lá qual for sua crença ou religião – muito cuidado com o que voce pede/deseja (rs). À custa de muito choro e noites mal dormidas, aí esta o que eu aprendi… Confira!
De psicóloga à vendedora
Customer Advisor é o nome fancy que eles dão aqui para vendedores – ou um dos nomes. Também chamam de Salesperson, Customer Assistant, Shop Assistant entre outros.
Na verdade, acredito que não chamam de salesperson o que fazemos no meu trabalho porque, na verdade, não vendemos diretamente. Digo, lá na loja ninguém vai ficar atrás de você tentando te vender alguma coisa, aliás, são pouquíssimas pessoas no shop floor pois é uma loja de catálogo (online).
Acredito que no Brasil não exista um modelo de loja como a que eu trabalho. Apesar de termos mais de 8 mil produtos disponíveis, quase nada fica exposto. Ou seja, você entra na loja e tem vários computadores para consulta ou o catálogo – que é como aqueles catálogos da Natura e Avon, só que com mais de mil páginas!
Os produtos são divididos em categorias: Jewelry & Watch, Office, Pc & Phones, Home Entertainment, Home & Furniture, Toys & Games, Sports & Leisure, Garden & DIY, Health & Personal Care, Nursery and Photography. Ficou cansado só de ler? Pois é, teoricamente, os Customers Advisors devem saber um pouco de tudo. Por isso repito, muito cuidado com o que você deseja…
Micos, choro e um catálogo debaixo do braço
Muita gente pensa que é só se mudar para outros país que seu cérebro vai absorver inglês como uma esponja e que em 3 meses você já estará fluente. Doce engano: o máximo que consegui nos meus primeiros 90 dias em Dublin foi uma dor de cabeça frequente, por estar 24h ligada tentando entender as pessoas.
Cf. Intercâmbio em Dublin (Irlanda)
Quando consegui o emprego, estava em Dublin há pouco mais de 2 meses e ainda tentava me acostumar com o Irish accent.
Meu primeiro fora foi quando depois da entrevista, a moça do RH, depois de 40min falando sobre procedimentos, treinamento online e etc., disse que eu começaria Thursday (Quinta-Feira) e eu perdida com a velocidade com que ela falava e com o sotaque, entendi Tuesday (Terça-Feira). Ou seja, comemorei o fim de semana todo meu novo emprego e apareci no trabalho 5 dias depois, toda feliz. Obviamente, o gerente veio me perguntar na terça-feira por que eu tinha faltado e eu fiquei roxa de vergonha por ter entendido errado.
Meus primeiros dias foram dolorosos, entre tentar entender os clientes e meus colegas de trabalho, eu ainda tive uma avalanche de vocabulário novo. Obviamente, o professor na escola não vai te ensinar o que é um kettle (chaleira elétrica), airer/clothes horse (varal de roupa que você usa dentro de casa), toaster, travel plug (adaptador de tomada), e outras coisas comuns. E claro, se você fala inglês e está na Irlanda, você sabe o que é um airer, né? Imagine o cliente tentando comprar um airer e eu escrevendo errado no computador e ainda tentando imaginar o que diabos era!
Paguei muitos micos, chorei muitas noites e andava pra cima e pra baixo com o catálogo da loja no sovaco na ilusão de que eu aprenderia os nomes dos 8 mil produtos num passe de mágica.
Até macaco aprende e eu sou uma jungle girl
Após oito semanas, consegui meu sonhado emprego onde eu aprenderia muito, pensei em desistir, pois achava que meu inglês não era bom o suficiente e porque tudo estava bem difícil. Além de tudo isso, eu ainda tinha algumas metas que eram ligadas ao meu desempenho, como o Replacement Product Care – uma garantia estendida, que vendemos para eletroeletrônicos, jóias e relógios.
Aí, meu amigo, você precisa de muita lábia para convencer o cliente a comprar o que ele não precisa e ainda por cima é preciso ser subtle (sutil). Eu, com muito esforço, havia conseguido vender algumas insurances (garantias), mas ainda estava abaixo da meta.
Arrasada e com medo de perder o emprego, liguei para um grande amigo que mora aqui há anos e que havia trabalhado na mesma loja. Depois de ouvir todo meu mimimi sobre o quão difícil era, que eu não entendia o sistema e etc., ele disse: “se fosse no Brasil, você acharia esse trabalho o mais bobo do mundo. Para né? Até macaco aprende a trabalhar nesse till (caixa)”. Foi o tapa que eu precisava.
Você está onde merece
Muita gente entregava currículos na loja, irlandeses então? Aos montes. Sempre me perguntava se não seria mais fácil o gerente ter contratado um deles pois não teriam dificuldade nenhuma com o idioma. Porém, o que aprendi depois, é que não é só porque é irlandês que seria bom colaborador. Meu gerente viu potencial em mim e depois que eu percebi isso, me senti agradecida por estar no lugar onde merecia.
Cf. Como Escrever um Currículo em Inglês
Depois que parei de mimimi, comecei a me divertir muito no meu trabalho. Um ano depois, eu estava treinando os novos colaboradores (todos irlandeses) no till… Sim, naquele till que até macaco aprende, e percebi que os mesmos erros que cometi, eles também cometiam.
Fui treinada em outras áreas da loja e adquiri mais responsabilidades. Já fui destaque por ter vendido mais insurances no mês e também já atendi os clientes tão bem que recebi duas propostas de emprego enquanto estava trabalhando. Uma das propostas foi numa das joalherias mais tradicionais daqui de Dublin. Com gentileza, trabalho árduo e paciência, se vai longe.
Frozen para meninos e uma mala para um mochilão
A raridade da vida está em enxergar beleza nas coisas do cotidiano e essa talvez seja a maior lição que aprendi até agora.
Já vi uma mãe comprando uma boneca do Frozen para um garotinho de 4 anos e nunca vi um sorriso maior que o que ele deu, quando a boneca começou a cantar Let it go.
Também pude ter meus 10 minutos de inspiração, enquanto um senhor comprava uma mala (what?) para o “mochilão” que ele ia fazer aos 75 anos.
Já vi uma chinesinha chorar de emoção porque o hoover (aspirador de pó) que ela queria estava pela metade do preço e já levei bronca de uma senhorinha de 68 anos, que pedala 20km todos os dias, porque sou sedentária.
Além disso, há as histórias de amor: desde um garotinho de 6 anos que pediu para mãe para comprar um anel para pedir a professora em casamento a um casal gay que me fez revirar a joalheria inteira para achar um par de alianças pois eles casariam na manha seguinte.
Quando alguém me critica porque larguei meu “emprego estável” no Brasil para virar uma mera vendedora na Europa, eu nem me esforço para contar toda essa história.
Longe de estar acomodada, sei que há um mar de possibilidades à frente. A oportunidade de aprender e se reinventar só acontece quando você deixa de fazer o que sempre fez e se joga nessa experiência maluca e às vezes dolorosa chamada aprendizado. Se está fácil demais, é melhor pular para a próxima lição.
Sobre a autora: Sanae Yamashita nasceu e cresceu no meio da Floresta Amazônica. Apaixonada por pessoas e histórias, saiu de Manaus pra comemorar os 30 anos na Irlanda e nunca mais voltou. Hoje trabalha como Customer Advisor em Dublin e entre uma história e outra, faz origamis e compartilha a vida com um inglês engraçadinho que tenta aprender português.
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