Mitos e Verdades no Aprendizado de Inglês

Mitos e Verdades no Aprendizado de Inglês

Não é nada fácil aprender uma língua estrangeira. E os leitores do EE devem saber bem disso, tanto os autodidatas quanto os que procuraram cursos de inglês ou aulas particulares. Na verdade, falar ou escrever numa língua estrangeira é uma das atividades cognitivas que, segundo pesquisas neurológicas, mais requerem atividade cerebral. Como nosso cérebro trabalha por meio da comunicação entre os dois hemisférios e os processos cognitivos responsáveis pela comunicação em línguas estrangeiras ativam pontos diferentes desses dois hemisférios, a quantidade de sinapses e, diga-se de passagem, a produção de energia elétrica necessárias para desempenhar essas funções são absurdamente superiores à quantidade de sinapses e atividade cerebral necessárias para se falar sua língua materna.

Moral da história: não acredite imediatamente em nenhum método milagroso ou fórmula matemática para se aprender uma língua estrangeira em poucas horas, em alguns dias ou meses.

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Nesta série, vou elencar três mitos relacionados ao aprendizado de línguas estrangeiras, em especial do inglês, confira abaixo o primeiro mito:

MITO 1: Para aprender inglês, preciso aprender a falar o idioma

Quando se aprende uma língua estrangeira num curso de idiomas, normalmente você receberá treinamento em 4 habilidades básicas – entender, ler, escrever e falar. Duas dessas habilidades são chamadas de “passivas”, ler e entender; as outras duas são “ativas”, escrever e falar. Normalmente, as habilidades ativas são adquiridas mais lentamente e com mais dificuldade que as habilidades passivas. Quero frisar a palavra normalmente porque cada aprendiz pode apresentar maiores ou menores dificuldades/facilidades em quaisquer das 4 habilidades.

Nas escolas (Ensino Fundamental e Médio), de acordo com os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), estudados nas disciplinas de pedagogia das faculdades que oferecem cursos de licenciatura, como é o caso da Faculdade de Letras, a ênfase é no uso instrumental da língua estrangeira. Em outras palavras, nas escolas se ensina leitura.

O que devo fazer? Estudar as 4 habilidades? A resposta mais sensata é – sim, se você tem tempo, material e motivação suficientes para tal. Caso contrário, a resposta é quase sempre não. Aprender inglês é uma atividade com fins bem definidos. É diferente de aprender física ou química na escola, já que a maior parte dos alunos não vê objetivos claros para a aquisição desses conhecimentos. Aprender inglês é diferente – o objetivo é quase sempre bastante diáfano. Você quer/precisa aprender para quê?

  • para viajar;
  • para ler artigos científicos/textos técnicos da minha área de atuação;
  • para namorar gringos(as);
  • para ler revistas e literatura em inglês;
  • para participar de fóruns online;
  • para trabalhar (digamos, com controle de tráfego aéreo, em que a terminologia internacional é toda em inglês);
  • para não perder meu emprego (embora não precise usar o inglês no dia-a-dia);
  • para jogar videogame;
  • para tirar onda na escola/no meu local de trabalho;
  • para receber e acompanhar turistas;
  • para fazer palestras/apresentações orais ou dar aulas;
  • para escrever artigos científicos;
  • para traduzir textos;
  • para desafiar minha capacidade de aprendizado;
  • para me divertir/passar o tempo aprendendo algo novo;
  • para entender filmes/seriados;
  • para aprender mais sobre o mundo/os países anglófonos, para ter acesso à cultura desses países.

Poderia continuar a lista ad nauseam, mas creio que os itens já deem conta de boa parte dos objetivos normais do aprendizado de inglês. Compilei essa lista para que você perceba que, conforme os seus objetivos, provavelmente não será preciso que você desenvolva as quatro habilidades. Não há muita razão para aprender a entender discursos orais ou falar inglês se o seu objetivo é única e exclusivamente ler ou escrever artigos científicos. Se você quer apenas entender seus seriados preferidos, faz pouca diferença aprender a escrever em inglês. Portanto, a escolha de qual habilidade desenvolver vai depender diretamente dos seus objetivos ao aprender o idioma. A primeira pergunta que se deve fazer ao começar a aprender inglês é: “Why am I learning this stuff?”

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Ao contrário do que 9 entre 10 cursos de idiomas anunciam, falar inglês não é, dependendo do seus objetivos, a habilidade mais importante. As propagandas de cursos são quase sempre monocórdicas: “Venha para o nosso curso! Aqui você vai falar inglês!” No caso do brasileiro de classe média (baixa ou alta), que trabalha numa área técnica qualquer e viaja uma ou duas vezes na vida para os Estados Unidos (ou Inglaterra, ou qualquer outro país anglófono), a habilidade falar talvez seja a menos importante das quatro. Para esse brasileiro, é muito mais importante saber ler e interpretar textos em inglês, saber escrever e-mails para seus contatos no exterior, para empresas estrangeiras (muito útil quando aquela sua encomenda da China demora 3 meses para chegar), ou compreender filmes, seriados e vídeos no YouTube para não ficar dependendo das boas almas que legendam esse material. A habilidade falar, portanto, só será usada nos poucos dias em que você ficar no exterior, e muito provavelmente o vocabulário de que você vai precisar se restringirá a uns poucos campos semânticos – hotel, restaurante, guia de turismo, transporte, compras.

Portanto, para aprender inglês, você não precisa falar o idioma, e sim desenvolver as habilidades necessárias para desempenhar as tarefas de acordo com os seus objetivos (e pode ser que falar seja uma [apenas uma] delas).

MITO 2: Inglês é fácil de se aprender

“Manolo, você já tentou aprender alemão? É muito difícil, cara… Inglês é muito mais fácil!” Muitos de nós já ouviram coisa parecida, mas não há muito fundamento linguístico para se afirmar isso. Para entendê-lo, é preciso compreender que ninguém aprende uma língua, o que aprendemos são pequenos mundos (chamados em Linguística de campos semânticos ou campos conceituais) dentro de uma língua. A isso equivale dizer que não é possível ser 100% proficiente em qualquer área de uma língua. Eu sou perfeitamente capaz de fazer uma palestra sobre a minha área em inglês, mas completamente incapaz de falar sobre moda ou mesmo de dar uma receita mais complexa em inglês, simplesmente porque não domino esses campos conceituais, nem em português, nem em inglês. As instituições que “medem” fluência em inglês, os famosos exames de proficiência, fazem, na verdade, uma avaliação do grau de competência linguística/comunicativa nos principais campos conceituais, nos mais utilizados no dia-a-dia, enfatizando vocabulário corriqueiro. Passar num exame de proficiência não quer dizer necessariamente que uma pessoa seja capaz de falar sobre mecânica, arte, filosofia, medicina ou informática em inglês.

Mas como se estabelece a “simplicidade” ou a “complexidade” de um idioma? Linguisticamente falando, nenhuma língua é mais difícil ou fácil que outra. O inglês tem um sistema de flexões verbais bastante simples, não possui subjuntivo marcado (com exceção de alguns resquícios do Middle English, como “God save the Queen”), só possui uma marcação de pessoa (o da 3ª pessoa do singular), e nem sonha com os tempos verbais latinos mirabolantes do português, como o medonho “futuro do subjuntivo” (para o qual o inglês utiliza o simple present – “Se tiver dinheiro, vou te ajudar” > “If I have the money, I’ll help you out.”) ou o hediondo “infinitivo pessoal” (“Isso é para nós fazermos”). Por outro lado, o inglês é uma língua relativamente complexa no que diz respeito ao uso de preposições (o português tem por volta de 25 preposições, enquanto o inglês tem mais de 100, se contadas as locuções preposicionais). O uso de in, on e at é motivo de insônia para muitos aprendizes de inglês.

Em 1887, o polonês Ludwik Zamenhof publicou os esboços do que seria conhecido como Esperanto, uma língua artificial, criada por ele, que tinha como escopo ser simples de se aprender (apenas 10 regras gramaticais, sem exceções) e universal. O que aconteceu? O Esperanto nunca vingou, em parte por falta de interesse político, em parte porque, sendo uma língua derivada de várias línguas europeias – germânicas, latinas e eslavas, acabou resultando num sistema tão difícil quanto o de qualquer outra língua natural.

As línguas são complexas porque a comunicação do homem é complexa, e deve possibilitar um número inacreditável de combinações, sentidos denotativos e conotativos, deve permitir que sua estrutura seja usada para produzir humor, arte, criatividade. Em suma, qualquer língua é difícil.

O que nos faz pensar que certas línguas sejam mais fáceis que outras (o que pode não passar de uma ilusão cognitiva) seja talvez a proximidade ou a exposição. Aprender espanhol é para nós, brasileiros, inegavelmente muito mais simples que para um russo. Um dinamarquês não precisa lá de muito esforço para aprender sueco ou norueguês. É relativamente fácil, para um ucraniano, aprender russo. Línguas estrutural e historicamente próximas são mais simples de se aprender. Por outro lado, a exposição ao inglês na sociedade ocidental (e agora também na oriental) é tão intensa que, por vezes, temos a impressão de já saber inglês mesmo sem estudá-lo. Segundo um levantamento empírico que fiz certa vez, um brasileiro de classe média que nunca estudou inglês na vida conhece cerca de 200 palavras em inglês (embora não as pronuncie corretamente). Obviamente será sempre mais simples aprender um idioma ao qual somos mais expostos, e no qual há material audiovisual e textual em qualquer esquina.

MITO 3: Posso aprender inglês em 3 meses

Não há fórmula mágica para se aprender inglês. O segredo é estudo, experiência e paciência. Toda vez que alguém me pergunta quanto tempo se leva para aprender uma língua, respondo que por volta de 1000 horas. E quanto tempo isso leva? Depende de quanto tempo por dia você dedicar ao idioma. Dedicando 1 hora de estudo diário (descontando os finais de semana), você vai demorar por volta de 3 anos para aprender inglês. Essas 1000 horas podem ser dividas entre as habilidades de que você necessita e muitas delas podem ser “gastas” de maneira prazerosa ou inconsciente – assistindo à TV americana/inglesa, a filmes, jogando RPGs, lendo sua revista preferida, num chat com gringos(as), entre muitos outros.

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Sendo o inglês uma língua natural, orgânica, que se altera com o tempo, com o local e de acordo com as necessidades dos falantes, é impossível criar fórmulas matemáticas milagrosas para se aprender a estrutura, a pronúncia ou o uso da língua inglesa. A estrutura da língua inglesa é repleta de regras e igualmente de exceções – basta observar o uso, por exemplo, das preposições para denotar as partes do dia: “in the morning”, “in the afternoon”, “at night”. Os usos de uma língua têm uma lógica inerente, mas não perfeita. No que diz respeito à pronúncia, em especial, a barra fica mais pesada ainda.

Por volta do séc. XV ocorreu, na Inglaterra, um fenômeno que conhecemos hoje por “The Great Vowel Shift”. Por razões que ainda estão sendo estudadas, as pronúncias das vogais se alteraram. O que era pronunciado [‘na.me] passou a ser pronunciado [neym]; o que era pronunciado [‘wi.fe] passou a ser pronunciado [wayf] e o que era pronunciado [how.ze] passou a ser pronunciado [haws]. Portanto, a pronúncia do inglês se desenvolveu, mudou, mas a ortografia continuou a mesma. O linguista irlandês David Crystal costuma dizer que a ortografia do inglês denota “five hundred years of a linguistic mess”, pois é repleta de exceções e inconsistências fonéticas. Compilar, hoje, uma tabela que proponha uma fórmula para a pronúncia de qualquer palavra em inglês e que parta do princípio que a escrita é a representação da fala e que não se altera no tempo é absurdo. Para aprender a pronúncia de uma língua como o inglês, a maneira mais prática é ouvir a pronúncia por um nativo (ou alguém que as pronuncie corretamente) e imitá-la.

Para aprender inglês sozinho, sem o auxílio de um professor, o importante é procurar bons materiais, que certamente existem na malha cibernética ou editados e impressos. Atenção especial deve ser dada à prática, pois, segundo pesquisas, a repetição de erros ao falar ou escrever pode piorar o seu inglês. Para a prática das habilidades de falar e escrever, o ideal seria obter auxílio de alguém mais experiente para corrigi-lo, pois um erro fossilizado é muito mais difícil de se eliminar.

Em suma, para se aprender inglês (ou qualquer outra língua) é necessário tempo – para se adquirir novas informações e processar as antigas. Acelerar esse processo pode ser cognitivamente estafante, emocionalmente decepcionante. Therefore, you’d better take your time.

É, não é nada fácil aprender inglês. Mas, como toda atividade intelectual ou motora complexa, como aprender um instrumento musical, entender física quântica, fazer uma cirurgia cardiovascular, compreender a fenomenologia de Heidegger ou pilotar um avião, o sentimento de dever cumprido e de satisfação ao dominar essa habilidade é muito maior. Aprender inglês abre as portas e janelas do mundo – o fim justifica plenamente esse meio sofrido e pouco célere.

Bons estudos!

Sobre o Autor: Rafael Lanzetti é Mestre em Linguística Aplicada/Tradução pela UFRJ, professor de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Tradução, Linguística e Estudos Culturais. Trabalha com formação de professores de línguas estrangeiras há 10 anos. Nas horas vagas, é músico e produtor de trilhas para filmes e jogos.

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